Aos poucos ficam chegando imagens do jantar que tive com vovó na semana passada, imagens da quarta à noite, última vez que a vi acordada, no hospital. Queria tê-la visto ontem, mas estava trabalhando nos horários de visita, e à noite estava no casamento de uma amiga. Perdi a chance de vê-la lúcida ainda ontem.
Mais e principalmente, mesmo que eu tente distrair meus pensamentos, fico lembrando de vovó conversando, reclamando, contando histórias, e voltando um pouco mais no tempo, fico lembrando dela nos recebendo em longos almoços familiares.
Hoje de manhã, nós, da famíla, ficamos conversando sobre particularidades dela, sobre sua preocupação em estar cheirosa e limpa, de calçola nova, pois sempre dizia que jamais queria precisar ir para o hospital de última hora e estar de calcinha furada. E ainda ontem, na semi-UTI, durante o banho na cama ela reclamava que queria tomar banho de chuveiro, ficar limpa, pois estava se sentindo tomando banho de gato, zombava da situação dela mesma, de estar feia, desarrumada.
E enquanto ela conversava as visitas foram se alternando, reviu a maioria dos filhos e suas esposas e maridos, só faltou um que mora longe. Reviu a maioria dos netos.
De noite ela precisava usar até a meia-noite uma máscara de a ajudava a respirar. Pouco depois de colocá-la se queixou de calor e suor, mas aos poucos normalizou e com o tempo adormeceu, como já havia acontecido na primeira noite, pois a máscara lhe trazia mais conforto respiratório.
À meia-noite minha tia tirou a máscara e tentou acordá-la. Não conseguiu.
Vovó sofreu a nova hemorragia enquanto dormia.
Foi entubada e levada para a UTI.
Os exames mostram extensa área cerebral comprometida.
Tento pensar que o tempo cobra sua conta, de nada adianta a gente reclamar.
Tento pensar que ela não sofreu, o desligamento da família aconteceu dormindo.
Tento pensar que ela teve tempo de se despedir de todos nós, ou melhor, que nós tivemos tempo de nos despedir dela.
Na saída do hospital nos encontramos com a médica que cuidou dela durante anos. Ela estava tristonha, chorou. Concordou com o que eu disse, que se fosse possível mudar o cérebro de vovó para um corpo mais jovem, vovó sairia andando sem nem estranhar.
Essa médica teve e tem todo o nosso apoio. Fez o que tinha que ser feito. Vivemos com ela o seu dilema, a apoiamos na sua decisão.
Vovó estava bem e lúcida na semi-UTI, mas o trombo que estava no pulmão poderia se desprender a qualquer momento, causando uma fatal embolia pulmonar. Para evitar isso seria necessário aplicar novamente, mesmo que em dose mínima, o anticoagulante que poderia dissolver o trombo. Havia riscos de ambos os lados, é melhor ter uma chance do que nenhuma.
Vovó escolheu ter essa chance. A aposta não trouxe a vitória.
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